O dia amanheceu, mas a cidade não, e dorme seu sono diurno, vespertino e noturno de uma casa com seu eterno morto velado. Ele ficou na sala, cujo móveis foram arredados, todos foram embora, ou foram trabalhar. Trabalhar é a melhor desculpa, quem trabalha é honesto, tudo está justificado. Esse morto que nunca\ mais vai embora dessa cidade. Ou essa casa que nunca esquece seu morto. Assim amanheceu em EMI. Uma casa que se livra de seu morto, mas que mesmo assim ele continua lá estático e invencível. A ressaca da casa depois do velório, é esse o clima, são esses os ares, é esse o astral. As ruas de um luto sempiterno, a ressaca do morto. A casa do morto, vai ser sempre a casa do morto.
O dia que não era necessário sempre chega, e com ele toda a caraterística. Essas características nunca falham e a tudo transformam, e os homens acendem mais um cigarro. E a sala onde o morto habita, não é mais a mesma, é irreconhecível. Apenas o morto reina no comodo da casa mais festivo outrora. Apenas ele reina, e assim reinará por todo o sempre. A TV nunca houve. A estante com os livros e discos, é desprezada. Os sofás, estão apenas servindo para se sentar e esperar as horas passar, e são sempre 24 horas do ocorrido. Os tapetes escondidos, eles falariam muito nessa ocasião, algum quadro na parede é permitido, Sagrado Coração de Jesus e Maria, Santa Ceia, Nossa Senhora Aparecida...
As janelas hoje estão bem abertas, mas como saber se amanhã ou depois assim permanecerão? Elas sim estarão condenadas, condenadas a viver cerradas, para conservar o morto que ali viverá. Nunca mais as lembranças de natais, páscoas e anos-novos. Nunca mais a lembrança do namoro na sala destinada para tal. Nunca mais o beijo, o abraço e a beleza de quem se encanta com o outro pela primeira vez. Morto e entaipado a noite da véspera do baile que ali dentro da sala uma noite ou mais viveu. Morto e entaipado em alguma foto o presépio arrumado embaixo do pitoresco pinheirinho de natal. Morto e entaipado as revistas antigas que os meninos folheavam e se encantavam com alguma modelo na propaganda de blusas de tricô.
Só o morto viverá em absoluto na sala. Ele ganhou reconhecimento, ele conquistou sua existência no estado gélido da matéria, a sala lhe pertence por mérito. Quem ousaria desafiá-lo e teria mais coragem que o morto para tal? Ninguém. Ninguém que não fosse o próprio morto e seus condenados pauis. Ele triunfa agora sobre a sala, ele adorna a sala, ela graças a ele torna-se seu templo particular, e nunca mais poderá ser usada para mais nada. A sala agora é o lugar do morto, e lá ele deve ficar.
Por Henry CLaude Stelmarsczuk
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